Os Inícios da Aliança Luso-Britânica

O início formal da aliança Luso-Britânica, a mais antiga aliança diplomática ainda em vigor, remonta à segunda metade do século XIV. A amizade Luso-Britânica antecede-a em, pelo menos, dois séculos. Do século XII é o conhecido episódio da Segunda Cruzada. Em 1147, um grupo de cruzados oriundos do Inglaterra e do norte da Europa no seu caminho para a Terra Santa, aportam no Porto e vão ajudar D. Afonso Henriques a reconquistar Lisboa(1). Depois da cidade ser reconquistada a maioria dos cruzados seguiu para a Terra Santa, enquanto outros ficaram em Portugal. Foi o caso de um grupo de ingleses, de entre os quais se destaca Gilbert de Hastings, que será o novo Bispo de Lisboa. 

Desde este episódio que a amizade entre os dois países se manteve, ainda que com períodos de maior e menor proximidade. Esta amizade é atestada em duas cartas, datadas de junho de 1199, nas quais o Rei João de Inglaterra já se refere ao Rei de Portugal como “karissimi fratis nostri & amici Regis Portigalen” e ordena que os embaixadores de Portugal sejam recebidos com as maiores honras(2). As relações comerciais foram reforçadas pelo tratado Luso-Britânico de 1352, assinado entre o Rei Eduardo III e Afonso Martins Alho, este último em representação dos mercadores e marinheiros de Portugal.

É na segunda metade do século XIV que as relações entre ambos os países ganham maior estabilidade. Os fundamentos jurídicos da aliança Luso-Britânica encontram-se em três tratados desse período: o Tratado de Tagilde (10 de julho de 1372), o Tratado de Londres (16 de junho de 1373) e o Tratado de Windsor (de 9 de maio de 1386).

 

Tratado de Tagilde

Tratado de Tagilde, 1372. Material do Ducado de Lencastre nos National Archives é propriedade de Sua Majestade a Rainha por Direito do Seu Ducado de Lencastre e é reproduzido com autorização do Chanceler e Conselho do Ducado de Lencastre.

 

O Tratado de Tagilde foi firmado em 10 de julho de 1372 (3), na Igreja de S. Salvador de Tagilde (município de Vizela, distrito de Braga), entre o rei D. Fernando I de Portugal e os representantes de João de Gante, Duque de Lencastre e quarto filho do rei Eduardo III de Inglaterra. Este tratado sela a aliança destes dois pretendentes ao trono castelhano e é considerado o preâmbulo da aliança que ainda hoje vigora(4).

O contexto que propicia o Tratado de Tagilde situa-se na Guerra dos Cem Anos e nas disputas de dois irmãos ao trono de Castela. Por um lado, D. Pedro que tinha sido despojado da coroa castelhana por D. Henrique de Trastâmara, irmão ilegítimo, e que tinha angariado o apoio inglês para a reaver. Por outro lado, D. Henrique de Trastâmara, mais tarde Henrique II, que tinha logrado o apoio da França. Na batalha de Montiel (março de 1369) D. Pedro é morto e D. Fernando I de Portugal, que é bisneto legítimo de D. Sancho IV de Castela, declara guerra a D. Henrique II. 

Foi nestas circunstâncias que chegou a Portugal uma embaixada de João de Gante, que tinha casado em 1371 com D. Constança, filha de D. Pedro e, por isso, tinha pretensões ao trono castelhano. Como embaixadores do Duque de Lencastre vieram João Fernandes Andeiro e Roger Hoor. Este tratado, no essencial, determina que o Rei de Portugal e o Duque de Lencastre sejam verdadeiros amigos e que façam guerra simultânea contra Castela e Aragão por duas frentes: os ingleses a norte e os portugueses a oeste(5).

Pouco depois da assinatura deste tratado, D. Fernando enviou ao Duque de Lencastre dois embaixadores, Vasco Domingues e João Fernandes Andeiro, a fim de que este jurasse e firmasse o Tratado de Tagilde(6), o que terá acontecido no Palácio de Savoy(7). Os mesmos embaixadores levavam, igualmente, uma procuração com poderes para fazer alianças complementares com Eduardo III de Inglaterra e com o Príncipe de Gales(8). As negociações propiciadas por esta procuração resultaram no Tratado de Londres de 16 de junho de 1373.

Rei D. Fernando I  e Rainha D. Leonor  a Joao de Gante, Duque de Lencastre, pedindo confirmação do Tratado de Tagilde, Novembro de 1372.

Material do Ducado de Lencastre nos National Archives é propriedade de Sua Majestade a Rainha por Direito do Seu Ducado de Lencastre e é reproduzido com autorizaçao do Chanceler e Conselho do Ducado de Lencastre.

 

Tratado de Londres 

O Tratado de Paz, Amizade e Aliança acordado perpetuamente em 16 de junho de 1373 na Catedral de S. Paulo, entre o rei D. Fernando I e D. Leonor de Portugal e o rei Eduardo III de Inglaterra, é considerado o principal fundamento jurídico da aliança Luso-Britânica(9). Neste Tratado cita-se como precedente o Tratado de Tagilde. Destaca-se do conteúdo das suas quatro cláusulas a declaração de mútua e perpétua paz, amizade, união e aliança entre ambas partes; o compromisso de nenhuma delas estabelecer amizade com os inimigos, émulos e perseguidores da outra parte; a obrigação recíproca de socorro com auxílio militar ou de qualquer outra espécie de ajuda por motivo de necessidade de defesa do reino, províncias, domínios e lugares em caso de ofensa, opressão, invasão por terra ou por mar(10). Desde então este tratado nunca foi revisto, tendo sido posteriormente confirmado em várias ocasiões(11).

 

Tratado de Windsor 

Tratado de Windsor, 1386. © Crown copyright. Licensed under the Open Government Licence v3.  (https://www.nationalarchives.gov.uk/doc/open-government-licence/version/3/)

Em 9 de maio de 1386, é assinado o Tratado de Windsor entre D. João I de Portugal e Ricardo II de Inglaterra. Este acordo ratifica a “liga, amizade e confederação perpétua” entre os dois monarcas com a obrigação de auxílio mútuo, sendo igualmente firmado em perpetuidade(12). É um tratado que tem uma amplitude de conteúdo maior que os dois anteriores, ao consagrar no seu articulado a liberdade de comércio e de trânsito dos naturais de cada uma das partes no território da outra parte “como se fossem seus naturais”(13).

Uma das primeiras consequências práticas deste tratado foi propiciar o início das gestões diplomáticas para o casamento entre D. João I de Portugal e Filipa de Lencastre, filha de João de Gante(14). O casamento, que se celebrou em 2 de fevereiro de 1387, iniciou um período de grande proximidade entre as duas casas reinantes(15). Esta aliança tornou-se ainda mais próxima quando o filho de João de Gante, que era cunhado de D. João I de Portugal, se tornou Henrique IV de Inglaterra(16).

Santarém diz-nos que a aliança entre Inglaterra e Portugal foi tão próxima durante o período que medeia desde a última metade do século XII até ao final do século XV que, em dezasseis tratados que os soberanos ingleses concluíram com outras nações, Portugal foi sempre incluído como aliado e confederado da Inglaterra. O facto de João I de Portugal ter sido o primeiro monarca estrangeiro a tornar-se Cavaleiro da Jarreteira (1400) apoia as reivindicações daqueles que veem Portugal como o primeiro aliado político da Inglaterra(17).

A Guerra das Rosas iniciou um novo período na relação das partes. Contudo, este pacto de “[…] amizade verdadeira, fiel, constante, mútua e perpétua, uniões, alianças e atos de sincero afeto […]” descrito no Artigo I do Tratado de Londres manteve-se. Desde então, esta aliança foi confirmada num considerável leque de tratados Luso-Britânicos, sendo que a última confirmação formal data de 1914.

Com o benefício de uma visão retrospetiva, concordamos com a afirmação do historiador inglês Richard Lodge quando escreve que “não há nenhum estado na Europa com o qual as nossas relações tenham sido no seu todo tão continuamente íntimas e amigáveis”(18) e também com Winston Churchill quando descreve esta aliança como sendo sem paralelo na história mundial”(19). Durante os seus mais de seis séculos de existência, a aliança Luso-Britânica superou as mais desafiantes contingências históricas, incluindo duas guerras mundiais, a ascensão e queda de impérios, revoluções e descolonização, multilateralização das relações internacionais, integração europeia e o fim da Guerra Fria. Num presente marcado pelo Brexit, desejamos que a Aliança continue a inspirar novos capítulos de amizade a serem celebrados por mais 650 anos.

Autora do texto: 

Alexandra M. Rodrigues Araújo, Iuris, Universidade de Lisboa, 2020.

 

Notas:

1 A versão tradicional deste episódio relata que a ajuda prestada foi obra do acaso. Quando as embarcações dos cruzados aportaram para reabastecimento, o Bispo dessa cidade foi recebê-los e persuadiu os seus líderes a ajudar D. Afonso Henriques. Outra versão mais recente argumenta, com base numa carta de Bernardo de Claraval a D. Afonso Henriques, que esta paragem em Portugal terá sido previamente incentivada pelo famoso prelado e planeada com anterioridade. O que explicaria, entre outras coisas, a razão pela qual este grupo de cruzados decidiu utilizar a rota marítima para chegar à Palestina, enquanto a maioria dos cruzados que compunham a Segunda Cruzada utilizou a rota terrestre. Cf. J. Phillips, St. Bernard of Clairvaux, the Law Countries and the Lisbon letter of the second crusade, [Journal of Ecclesiastical History, 48], Cambridge 1997, p. 485-497; H. Livermore, The Conquest of Lisbon and its author, [Portuguese Studies, 6], 1990, p. 1-16.

2 Cf. T. Rymer, Foedera, Conventiones, Litterae, Et Cujuscunque Generis Acta Publica, Inter Reges Angliae Et Alios Quosvis Impeatores, Reges, Pontifices, Principes, Vel Communitates: Ab Ingressu Gulielmi I. In Angliam, A.D. 1066, Ad Nostra Usque Tempora Habita Aut Tractata, Record Commission Edition, T. I, London 1641-1713, p. 76.

3  The National Archives (TNA): DL34/1/30.

4 Cf. S. Pinto, Tratado de Tagilde de 10 de julho de 1372, [Scientia Iuridica, Separata, Year II, 6], Braga 1952, p. 1-18.

5 Cf. P. E. Russell, A intervenção Inglesa na Península Ibérica durante a guerra dos cem anos, Lisboa 1955. pp. 221-222.

6 f. TNA: DL34/1/29.

7 Cf. Pinto, Tratado de Tagilde (supra, n. 4), p. 10-11.

8 Santarém, Quadro elementar das relações políticas e diplomáticas de Portugal com as diversas potencias do mundo: desde ó princípio da monarchia portugueza até aos nossos, v. XIV, Lisboa 1842, p. 55.

9  TNA: E30/275.

10  Cf. M. Caetano, Aliança Inglesa, [Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura 1], Lisboa 1963, p. 1262.

11 Declaração de Mr. Anthony Nutting na Câmara dos Comuns de 12 de maio de 1952

12  TNA: E30/310

13 Importa sublinhar que já o Tratado de comércio de 20 de outubro de 1353, celebrado entre o rei Eduardo III de Inglaterra e o rei D. Afonso IV de Portugal, consagrava esta cláusula de livre-trânsito para pessoas e mercadorias. Contudo este Tratado tinha um prazo de vigência de 50 anos. Cf. T. Viúla de Faria and F. Miranda, Pur Bonne Alliance et Amiste Faire: Diplomacia e Comércio entre Portugal e Inglaterra no final da Idade Média, [Cultura, Espaço & Memória 1], Porto 2010, p. 111.

14 Cf. Baquero Moreno, H. (1988). O Tratado de Windsor de 1386 no conspecto das relações Luso-Inglesas: Coloquio Comemorativo do VI Centenário do Tratado de Windsor, 1986. Porto: Universidade do Porto. Faculdade de Letras. pp. 213-219: 216-217.

15 Cf. H. Baquero Moreno, O Tratado de Windsor de 1386 no conspecto das relações Luso-Inglesas, [Coloquio Comemorativo do VI Centenário do Tratado de Windsor], Porto 1988, p. 216-217.

16 Cf. Santarém, Quadro elementar das relações políticas e diplomáticas de Portugal com as diversas potencias do mundo: desde ó princípio da monarchia portugueza até aos nossos, V. XIV, 2.ª ed., Lisboa 1865, p. CXLIII.

17  Cf. V. Shillington and A. Chapman, The Commercial relations of England and Portugal, London 1907, pp. 18-19.

18 Tradução da autora; R. Lodge, The English factory at Lisbon: some chapters of its history, [Transactions of the Royal Historical Society 16] London 1933 p. 211.

19 Tradução da autora; Cf. Speech, House of Commons Debate, 12 October 1943 http://hansard.millbanksystems.com/commons/1943/oct/12/agreement-with-Portugal

 

Tratado de Paz, Amizade e Aliança, 16 de Junho 1373

 

Tratado da Aliança, 1373. © Crown copyright. Licensed under the Open Government Licence v3.0 (https://www.nationalarchives.gov.uk/doc/open-government-licence/version/3/)

 

Entre Eduardo III, Rei de Inglaterra, e D. Fernando, Rei de Portugal e dos Algarves, feito na Catedral de Londres a 16 de Junho.

A todos a quem as presentes letras forem apresentadas, Wilherme, Senhor de Latimer, capitão de guerra, barão e camarista de El-Rei, e Tomás Júnior, ministro do Tribunal de Cantuária, procuradores e encarregados pelo Ilustríssimo Príncipe e muito respeitável Senhor Nosso, Eduardo, por Graça de Deus, Rei de Inglaterra e de França, deputados especialmente para o objecto de que abaixo se há-de tratar até á sua conclusão, para sempre saúde e firme crença em o Senhor.
Há tempo já que, por parte do Ilustre e Magnífico Príncipe D. Fernando, por Graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves, e de Sua Ilustríssima Esposa, a Rainha D. Leonor, se apresentaram perante o sobredito Senhor Nosso Rei os seus embaixadores, procuradores e enviados especiais, o cavaleiro João Fernandes Andeiro, capitão de guerra, e o venerável e discreto varão D. Velasco Domingues, chantre da Igreja de Braga, expondo não só de viva voz mas também por cartas dos ditos Rei e Rainha, que apresentaram as alianças, uniões, confederações e ligações de pura amizade que haviam começado, contratado e ordenado entre si os ditos Rei e Rainha de Portugal, com o Magnífico Príncipe D. João, por Graça de Deus, Rei de Castela e de Leão, Duque de Alencastro, filho muito amado do dito Nosso Rei; e que não só por esse motivo, mas também pelos vínculos do sangue e antigas amizades, tinham sempre conservado, e conservavam ainda em seus pios corações, por si e seus progenitores de respeitável memória, uma afectuosa inclinação, tanto para com a pessoa de dito Nosso Rei, como com seus filhos, direitos e súbditos, e zelando fervorosamente a felicidade e honra dos mesmos, querendo obstar e resistir à maldade de seus inimigos e ás fraudulentas maquinações e enganos astuciosamente empregados contra o sobredito Senhor Nosso Rei, seus filhos, reinos, domínios e terras, desejavam cordialmente pactuar e contratar aliança, união, confederação e liga com o mesmo Senhor Nosso Rei e seu filho primogénito Eduardo, Príncipe de Wália, e mais filhos do dito Senhor (com os quais nunca até agora as haviam contratado) e com o Reino de Inglaterra e com seus futuros sucessores, quaisquer que fossem no dito Reino, e com as mais terras e domínios, lugares, vassalos e súbditos que fielmente lhe obedecessem, contra todos os que vivessem ou morressem de qualquer estado, condição, dignidade, ou preeminência que fossem, e seus reinos, domínios, terras, províncias (à excepção somente dos estados do papa): e apresentando instrumento de procuração dos ditos Rei e Rainha selado, com os poderes por eles dado para pactuarem, contratarem, concluírem e ratificarem com a devida segurança a mesma aliança, confederação e liga no lugar e em nome dos ditos Senhores Reis, com adicionamento dos artigos, pactos, convenções, condições e cláusulas que cada unia das partes, reinos, terras, províncias, domínios e súbditos lhes parecesse declarar, como melhor constava do teor do dito instrumento, pediam com repetidas instâncias que sobre o referido objecto se lhes declarasse, exprimisse e resolvesse qual era o ânimo e boa vontade do dito Senhor Nosso Rei.
E atendendo o mesmo Senhor benignamente a tudo quanto pelos ditos embaixadores foi proposto, depois de bem examinado e considerado, reconhecendo quão generoso e próprio de um rei é recompensar do mesmo modo, ou ainda melhor, com sincero e agradável afecto, de mero moto próprio e com públicos louvores e acções de graça tão generosos oferecimentos, e o quanto é seguro e firme nas ocasiões de perigo e adversidade, e glorioso nas de prosperidade que os reis e príncipes que governam, se unam mutuamente por alianças, confederações e ligas de pura amizade, pelas quais a glória dos príncipes e a prosperidade dos reinos se exaltam gozando do prazer da paz, a conservação e segurança dos súbditos se alcançam, a maldade dos inimigos se refreia; e se acautelam e previnem enfim os infinitos perigos, que os acometem por meio de comunicação dos conselhos e dos auxílios, como atestam as alternativas dos tempos, e a experiência mestra a mais eficaz de todas as coisas, tomando sobre o referido prudente deliberação com os prelados e grandes do reino e de comum acordo com eles, nos constitui por seus verdadeiros e legítimos procuradores e negotiorum gestores, e órgão de sua voz a nós sobreditos Wilherme e Tomás para contratarmos, ordenarmos e ultimarmos com a precisa firmeza em seu lugar e nome, e no do Reino de Inglaterra e de seus sucessores nele, bem como de suas terras, domínios, províncias, vassalos e súbditos, que fielmente lhe são sujeitos, as alianças, amizades, uniões, confederações e ligas de puro afecto com os mencionados cavalheiro João Fernandes Andeiro, cabo de guerra, e, o respeitável e douto varão D. Velasco Domingues, chantre da Igreja de Braga, procuradores e enviados dos sobreditos Rei e Rainha especialmente deputados para este objecto no lugar e em nome dos mesmos, dos Reinos de Portugal e Algarves, e de suas terras, domínios, vassalos e mais súbditos fielmente obedientes ao dito Rei de Portugal, com adicionamento e interposição das cláusulas, artigos, pactos, convenções e condições que a cada urna das partes e a seus sucessores, reinos, terras, domínios, províncias, vassalos e súbditos sobreditos parecer conveniente especificarmos para conseguir o cómodo, prosperidade e honra em quaisquer tempos futuros, como tudo mais amplamente se contém nas cartas patentes de procuração, que se passaram para este fim seladas com o selo grande real, que abaixo irão transcritas.
Querendo, pois, nós por dever de fidelidade obedecer firmemente às ordens régias do Senhor Nosso Rei e executar devidamente tudo que pertence ao nosso ofício, depois de tomarmos a este respeito a deliberação competente, temos feito, contratado e estabelecido para ser observada inviolavelmente, e para todo o sempre (se Deus o permitir), a presente aliança, confederação, amizade, união e liga de puro afecto com os sobreditos embaixadores, e por expresso consentimento dos mesmos, no lugar e em nome de seus reis, pela forma e maneira seguinte:


1.º
Primeiramente ordenamos e concordamos que entre o sobredito Senhor Eduardo, Rei de Inglaterra e França, e D. Fernando, Rei de Portugal e do Algarve, e a Rainha D. Leonor, sua mulher, e seus sucessores nos sobreditos Reinos de Inglaterra e Portugal, seus reinos, terras, domínios, províncias, vassalos e súbditos quaisquer que lhes sejam obedientes, haverá daqui em diante uma verdadeira, fiel, constante, mútua e perpétua paz e amizade, união e aliança, e como fiéis e verdadeiros amigos o serão mutuamente do seu amigo e inimigos dos seus inimigos, mantendo-se e sustentando-se reciprocamente por terra e por mar contra todos e quaisquer homens de qualquer dignidade, estado, preeminência ou condição que sejam, suas terras, reinos e domínios. Da mesma maneira procurarão com todas as suas forças manter a conservação, a segurança, o cómodo e a honra pessoal de seus aliados, e a indemnização, salvação e recuperação de seus direitos, bens, fazendas e amigos onde quer que existirem. E aos danos, injúrias, desonras ou (por assim dizer) vilanias que souberem, ou alguma das partes souber que estão para suceder à outra parte alguma vez, ou que se preparam contra ela, acudirão fielmente com prontos remédios à parte contra quem se maquinarem, e o mais breve que for possível por meio de cartas, ou de enviados ou por outro qualquer meio melhor excogitado lho farão saber inteira e cabalmente, auxiliando-a com antecipação e providenciando proveitosamente sobre o objecto.


2.º
Item. Nenhuma das partes ligará amizade com os inimigos, émulos e perseguidores da outra parte, comunicando com os mesmos em detrimento, dano ou prejuízo da outra parte, sabendo que o é, ou dando-lhes conselho, auxílio, ou favor per si ou per outros, auxiliando-os de qualquer modo, recebendo-os no reino, ou em seus reinos, terras, domínios, províncias ou lugares, ou consentindo dolosamente que sejam socorridos, recebidos e sustentados, ou neles habitem pública ou ocultamente debaixo de quaisquer pretextos fingidos, ocasiões, ou cores que se lhes queiram dar. Os fugitivos, desterrados e banidos presentes e futuros por qualquer motivo ou causa, não compreendidos debaixo da denominação de inimigos, émulos ou perturbadores, saídos do reino ou das províncias, domínios ou lugares de algum dos mesmos reis, poderão daqui em diante ser recebidos, sustentados e favorecidos no reino e em quaisquer terras e lugares sujeitos ao domínio do outro rei; excepto se tais fugitivos, desterrados e banidos forem condenados por sentença por crime de lesa majestade como traidores ao rei e ao reino, ou forem de tal maneira suspeitos, que ameacem verosimilmente e promoverem dano, desonra, injúria, ou a discórdia de uma ou outra parte, e por isso deveram ser evitados como inimigos e perseguidores, e neste caso uma das partes, sendo requerida pela outra, deverá remeter tais criminosos à outra parte, que os pedir, como fica dito, ou será obrigada a expulsá-los e bani-los de si e de seus reinos, domínios e terras.


3.º
Item. Se acontecer que o reino, terra, domínios e lugares de uma das partes sejam ofendidos, oprimidos ou invadidos por terra ou por mar por seus inimigos, perseguidores, ou émulos, ou que os mesmos inimigos empreendam, maquinem, ou se preparem de qualquer modo para os ofender, oprimir, ou invadir; e a outra parte, ou seus sucessores, for requerida por escrito, ou por enviados, por aquela contra quem tais coisas se maquinarem, para que a auxilie e lhe preste subsídio de gente, armas, navios, ou qualquer outro género de defesa, que haja, ou seja usado no reino, a quem se pedirem tais subsídios, a dita parte assim requerida será obrigada a prestar logo e a mandar com boa fé os ditos subsídios à parte que os requisitar, todas as vezes que forem necessários para a defesa do reino, contra o qual tais invasões se preparem, e para a das províncias, domínios e lugares do mesmo, e sua recuperação, se tiverem já sido perdidos pelas ditas invasões; contra os ditos inimigos, invasores, perseguidores, ou maquinadores de tal invasão, ou perseguição, preeminência e dignidade, que sejam, conforme o número e quantidade que puder dispensar e sustentar sem grave prejuízo (salva sempre a caridade ordenada ou a própria necessidade); sendo pagas todas as despesas e soldos pela parte que requisitar os subsídios, arbitrando-se aqueles miudamente por quatro oficiais militares experientes, ou por pessoas idóneas, legais e discretas, segundo a qualidade e graduação das pessoas que hão de ser mandadas, e as circunstâncias do tempo e dos lugares em que as mesmas houverem de exercer o seu valor e serviço bélico; estes subsídios deverão preparar-se e mandar-se depois da sobredita requisição segundo a pressa e necessidade com que se pedirem, e segundo a possibilidade da parte requisitada, excluindo em todos a fraude e ânimo doloso, e regulado este tempo pelas regras da equidade.


4.º
Item. Para se executarem efectivamente e se guardarem com fidelidade todas e cada uma das coisas sobreditas em nome dos referidos reis, nós ditos procuradores prometemos de boa fé e juramos na alma do dito Nosso Rei de Inglaterra, tocando os sacramentos evangelhos, que o mesmo guardará esta aliança, amizade, união, confederação e convenção, e seus artigos e cláusulas (salvos os tratados anteriores contrários), em tudo e com todas as suas forças e sentidos, cumprindo-o e observando-o inviolavelmente e fazendo-o guardar, cumprir e observar do mesmo modo, não o contrariando de futuro em tempo algum, nem consentindo que seja contrariado de qualquer modo em todo ou em parte, sem o quebrar, infringir, ou violar, nem consentir que se quebre, infrinja ou viole debaixo de qualquer pretexto, escusa, excepção, dolo ou engano, erro, violência, direito escrito ou consuetudinário, facto, intenção, privilégio impetrado, ou por impetrar, ou quaisquer outras causas maquinadas por fraude, dolo, mau ânimo ou verbalmente.
Segue-se a Procuração do Rei Eduardo, em data 1 de Junho de 1373, e continua:
Em fé e testemunho de todo o referido mandamos lavrar e publicar esta nossa presente escritura pelo mestre João de Branketre, notário público e escrivão régio abaixo assinado e a selámos com os nossos selos pendentes.
Feito e tratado na real cidade de Londres, na igreja catedral da mesma, na festa da nova solenidade do Corpo de Deus, aos 16 dias do mês de Junho do ano de 1373, indicção undécima, ano 3.° do pontificado do Papa Gregório XI: presentes os ilustríssimos varões João Knyvet, chanceler de Inglaterra; Nicolau Carreu, guarda do selo privado de El-Rei; João Goterri, decano da igreja de Segóvia; Tomás Orgrave, arcediago de Cornualha, na igreja da cidade de Excéster; Rogero Holme, Waltero de Aldebyry e Wilhermo de Dygton, cónegos da dita igreja de Londres; Nicolau de Tamviorth, Mateus Redmane, oficiais militares; Simão de Multon, mestre doutor em leis, e Pedro Diogo, militar da Ordem de Sant’lago em Portugal, todos testemunhas acima mencionadas.
E eu João Branketre, clérigo da diocese norviense, por autoridade apostólica e imperial, notário público e escrivão do mesmo Senhor Nosso Rei, juntamente com as testemunhas acima nomeadas fui presente a este tratado de aliança, juramentos e selos, e mais solenidades feitas e mais praticadas pelos procuradores supra nomeados, no ano, indicção, pontificado, mês e lugar acima declarado…, e o publiquei e autentiquei em fé e testemunho de verdade.”


In Ministério dos Negócios Estrangeiros, A Aliança Inglesa, Subsídios para o seu estudo, compilados e anotados por José de Almada, Vol I, Imprensa Nacional de Lisboa, 1946.

 

Acordo bilateral de Downing Street de 13 de Junho 2022

 

A 13 de Junho de 2022, em Downing Street, foi assinado um acordo bilateral,  por ambos os primeiros ministros. A declaração conjunta menciona na introdução o Tratado de Tagilde, assinado a 10 de Julho de 1372 e que cumpre em 2022, 650 anos anos, unindo assim o passado, o presente e o futuro da Aliança. O documento original do Tratado de Tagilde esteve em exposição durante a assinatura do acordo bilateral que pode ler na integra aqui: Declaraçao 13 junho 2022

 

 

Os 600 Anos da Aliança

Ratificação do Tratado de Windsor pelo Rei D João I © Crown copyright. Licensed under the Open Government Licence v3.(https://www.nationalarchives.gov.uk/doc/open-government-licence/version/3/)

 

Destacamos algumas das atividades comemorativas dos 600 anos da Aliança Luso-Britânica (1373 – 1973).

Um dos pontos altos destas celebrações ocorreram com a visita a Portugal de SAR o Duque de Edimburgo, Príncipe Filipe, consorte de Sua Majestade a Rainha Isabel II, de 5 a 8 de junho de 1973. Através dos Arquivos da RTP, podemos recordar alguns desses momentos.

06.06. 1973: Lisboa, segundo dia da visita oficial do Duque de Edimburgo, Príncipe Filipe, consorte de Sua Majestade a Rainha Isabel II, com banquete no Palácio Nacional da Ajuda e visita à exposição na Fundação Calouste Gulbenkian, ao Navio-Escola Sagres e ao Ribatejo, a propósito das comemorações dos 600 anos da ligação Luso-Britânica.

https://arquivos.rtp.pt/conteudos/duque-de-edimburgo-homenageado-no-palacio-nacional-da-ajuda/

07.06.1973: Painel de azulejos ilustrativo do casamento de Dom João I e Filipa de Lencastre e representativo da aliança diplomática entre Portugal e o Reino Unido. Filipe e comitiva observam o painel e conversam com oficial da Marinha Portuguesa e outros presentes no jardim da residência do embaixador da Grã-Bretanha em Portugal, onde se comemora o aniversário oficial de Isabel II, Rainha do Reino Unido.

https://arquivos.rtp.pt/conteudos/visita-de-filipe-duque-de-edimburgo-a-lisboa/

07.06.1973: Duque de Edimburgo, Príncipe Filipe, consorte de Sua Majestade a Rainha Isabel II, visita os Estaleiros da Lisnave, o Centro de Formação Manoel de Mello, no terceiro dia da sua visita oficial a Portugal, a propósito das comemorações dos 600 anos da ligação luso-britânica.

https://arquivos.rtp.pt/conteudos/visita-de-filipe-duque-de-edimburgo-a-lisnave/

07.06.1973: Sintra, Palácio da Vila, almoço de homenagem a Filipe, Príncipe do Reino Unido, Duque de Edimburgo e Consorte real de Isabel II, oferecido por Marcelo Caetano, Presidente do Conselho, no terceiro dia da sua visita oficial a Portugal, a propósito das comemorações dos 600 anos da ligação luso-britânica.

https://arquivos.rtp.pt/conteudos/visita-de-filipe-duque-de-edimburgo-a-sintra/

07.06.1973: Seixal, Filipe, Príncipe do Reino Unido, Duque de Edimburgo e Consorte real de Isabel II, visita às instalações da fábrica de equipamento de comunicações em Santa Marta de Corroios, no terceiro dia da sua visita oficial a Portugal, a propósito das comemorações dos 600 anos da ligação luso-britânica.

https://arquivos.rtp.pt/conteudos/visita-de-filipe-duque-de-edimburgo-ao-seixal/

08.06.1973: Espetáculo equestre em honra do Príncipe Filipe de Inglaterra, organizado pela Federação Equestre Portuguesa, no Palácio do Correio-Mor em Loures.

https://arquivos.rtp.pt/conteudos/espectaculo-equestre-em-honra-do-principe-filipe/

Outras atividades realizadas no âmbito das Comemorações dos 600 anos da Aliança:

1973: Instituto Britânico, inauguração da exposição “Contribuições Britânicas para a Historiografia de Portugal” comemorativa do VI centenário da Aliança Luso-Britânica, com a presença de José Veiga Simão, Ministro da Educação Nacional.

https://arquivos.rtp.pt/conteudos/6o-centenario-da-alianca-luso-britanica/

1973: Comunidade Britânica em Portugal organiza jantar em honra de Marcelo Caetano, no âmbito das comemorações do 6.º centenário da Aliança Luso-Britânica

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08.06.1973: Palácio de Belém, Almirante Américo Tomás, Presidente da República, recebe representante da Aliança Luso-Britânica ou Aliança Inglesa a propósito do 6º centenário da instituição do Tratado Anglo-Português de 1373, assinado durante a Idade Média.

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23.05.1973: Lisboa, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Rui Patrício, Ministro dos Negócios Estrangeiros e José Veiga Simão, Ministro da Educação Nacional, inauguram exposição documental comemorativa do 6º Centenário da assinatura do tratado de aliança Luso-Britânico

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29.05.1973. Lisboa, antigos ministros e membros do Parlamento inglês visitam a cidade numa iniciativa da Casa de Portugal em Londres, com o apoio da Secretaria de Estado da Informação e Turismo e do Clube Português de Automóveis Antigos, no âmbito das comemorações do 6º centenário da assinatura do Tratado da Aliança Luso-Britânica.

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22.06.1973. Planos de embarque de cavalos na estação de Santa Apolónia para exibição em Stanley, Reino Unido, nas comemorações dos 600 anos da Aliança Luso-Britânica.

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Reino Unido:

Exposição no British Museum: 11 Junho – 22 Julho 1973

‘British Museum, 600 hundred years of the Anglo-Portuguese Alliance’

Uma exposição histórica para comemorar a assinatura do Tratado de Aliança de 16 Junho 1373.

Visita de Marcelo Caetano a Londres 1973

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Outros vídeos: 

Pequeno documentário sobre a Aliança

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Documentário sobre as relações luso-britânicas

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As celebrações dos 600 anos do Tratado de Windsor em 1986 incluíram:

Em 1985, visita de SM a Rainha Isabel II e Duque de Edimburgo a Portugal.

Em 1986, visita do Presidente da República, do Primeiro Ministro e outras autoridades a Londres. No Programa incluiu-se:

-12 de Maio de 1986 Serviço Religioso de Ação de Graças para celebrar os 600 anos do Tratado de Windsor.

 

Capela de São Jorge, Windsor Castle.  Com a presença de Sua Majestade a Rainha, Sua Excelência o Presidente da República de Portugal, SAR a Princesa Ana e demais autoridades de ambos os países. 

Uma leitura foi lida pelo Primeiro Ministro da República de Portugal e a outra leitura pelo Ministro de Estado dos Assuntos Estrangeiros e da Commonwealth.

 -Almoço no Castelo de Windsor oferecido por Sua Majestade a Rainha, 12 Maio. 

 -Receção na Embaixada de Portugal, oferecida pelo Presidente da República de Portugal, 12 Maio, 18h30.

-Noticia do Jornal Times, 13 de Maio de 1986 por Nicholas Ashford:

‘A Rainha e o Presidente Soares de Portugal participaram ontem num serviço de ação de graças na Capela de São Jorge, Windsor, para comemorar o 600º aniversário da aliança Luso-Britânica.

Numa comovente cerimónia que recorreu às tradições de ambas as terras, o bom e o grande tributo prestado à sabedoria e previdência do Rei Richard II e do Rei João I, que tinham assinado o Tratado de Windsor seis séculos antes.

Embora as relações entre os dois países tenham tido os seus altos e baixos desde então, particularmente na luta do século XIX para estabelecer impérios em África, a aliança provou ser um vínculo duradouro e benéfico,

Como o Duque de Wellington observou num receptáculo após o serviço “Embora rivais, a Grã-Bretanha e Portugal nunca foram inimigos e nunca trocaram um tiro entre eles”.

O serviço incluía arranjos musicais de um antigo monarca português, João IV, e o “rei” dos compositores ingleses modernos, Sir Benjamin Britten.

Uma lição foi lida em português por Aníbal Cavaco Silva, o Primeiro Ministro, e a outra em inglês por Sir Geoffrey Howe, o Ministro dos Negócios Estrangeiros.’

-Baile do Tratado de Windsor, 2 Junho 1986, Osterley com a presença dos Príncipes de Gales. Incluiu uma atuação da Escola Equestre portuguesa acompanhada pelo Regimento Real de Gales.

Em 1987, os Príncipes de Gales visitaram Portugal para festejar os 600 anos do casamento do Rei D. João I com D. Filipa de Lencastre.

Discursos

 600 anos da Aliança

Video: 
Minutos 2:00 Discurso de Sua Excelência o Presidente da República Américo Tomás
Minuto 7:52 Discurso de SAR o Duque de Edimburgo, Príncipe Filipe

 

Segunda Guerra Mundial

Os Açores durante a II Guerra Mundial

Winston Churchill, Primeiro Ministro Britânico à Câmara dos Comuns invocando o Tratado Luso-Britânico de 1373, 12 Outubro de 1943:

“O Primeiro Ministro (Sr Churchill):  – Cumpre-me fazer uma comunicação à Câmara, que é uma consequência do Tratado concluído entre este País e Portugal no ano de 1373 e assinado por sua Majestade o rei Eduardo III e os reis D. Fernando e D. Leonor de Portugal. Foi este Tratado reforçado de várias maneiras por tratados assinados em 1386, 1643, 1654, 1660, 1661, 1703 e 1815 e por uma declaração secreta de 1899. Em tempos mais próximos, a validade dos antigos tratados foi reconhecida nos Tratados de Arbitragem, concluídos com Portugal em 1904 e 1914. O artigo 1º do Tratado de 1373 é do teor seguinte: 

‘Em primeiro lugar, assentamos e acordamos que desde este dia de hoje em diante haverá (…) verdadeira, fiel, constante, mútua e perpétua amizade, uniões, alianças e ligas de sincera afeição e que como verdadeiros e fiéis amigos ficarão de aqui em diante reciprocamente amigos e inimigos dos inimigos, assistirão, manterão e auxiliarão um ao outro mutuamente por mar e por terra contra todos os homens.” 

Este compromisso já dura há mais de 600 anos e não tem precedentes na história do Mundo. Cumpre-me agora anunciar a sua aplicação mais recente. 

1 – Ao deflagrar a guerra o Governo Português, em inteiro acordo com o Governo de Sua Majestade no Reino Unido, adotou uma política de neutralidade com o fim de evitar que a guerra alastrasse à Península Ibérica. O Governo Português declarou no entanto com frequência, e a última vez no discurso do Doutor Salazar de 27 de Abril, que a referida política não era de modo algum incompatível com a aliança anglo-portuguesa que foi reafirmada pelo Governo Português logo nos primeiros dias de guerra. 

2 – O Governo de Sua Majestade no Reino Unido, baseando-se nesta antiga aliança, pediu agora ao Governo Português lhe conceda certas facilidades nos Açores que o habilitarão a melhor proteger a navegação mercante no Atlântico. O Governo Português concordou em satisfazer este pedido e concluíram-se entre os dois Governos acordos, que entrarão imediatamente em vigor, relativos às condições que regem o uso das referidas facilidades pelo Governo de Sua Majestade no Reino Unido e ao auxílio britânico em material e outros fornecimentos indispensáveis para o Exército português e para manutenção da economia nacional. 

O acordo relativo ao uso das facilidades nos Açores é de natureza puramente temporária e de modo nenhum prejudica a manutenção da soberania portuguesa sobre o território português. Todas as forças britânicas serão retiradas dos Açores no fim das hostilidades. Nada neste acordo afecta o permanente desejo do Governo Português, ao qual o Governo de Sua Majestade declarou corresponderem os seus próprios sentimentos, de continuar a política de neutralidade no continente europeu e por esta forma conservar uma zona de paz na Península Ibérica. 

Na opinião do Governo de Sua Majestade este acordo deve dar nova vida e vigor à aliança que há tanto tempo existe com mútua vantagem entre o Reino Unido e Portugal. Não só confirma e fortalece as garantias políticas resultantes dos tratados de aliança, mas dá também nova prova da amizade angloportuguesa e fornece uma garantia adicional para o desenvolvimento desta amizade no futuro. Ao terminarem estas negociações o meu Exmo. Amigo e  Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, que a meu ver as conduziu com a máxima habilidade e paciência, trocou mensagens de uma grande cordialidade com o Presidente do Conselho português. O meu Exmo. Amigo declarava-se convencido, na sua mensagem, que as facilidades agora concedidas pelo Governo Português contribuíram de uma maneira importante para a defesa eficaz da nossa navegação e, deste modo, viriam a ser um factor importante para encurtar a guerra. Acrescentava que o acordo havia de dar nova vitalidade à antiga aliança e realçar as relações íntimas e amistosas que existem há tanto tempo entre Portugal e a Grã-Bretanha. Na sua resposta a esta mensagem, o Dr. Salazar declarava partilhar a esperança de que as facilidades concedidas por Portugal ao seu aliado contribuíram para uma maior segurança da navegação no Atlântico, e confiar em que esta nova prova da fidelidade de Portugal às suas tradições, robusteceria a aliança secular e contribuiria também para estreitar ainda mais os laços de amizade entre os dois povos. 

Aproveito esta ocasião para consignar o apreço do Governo de Sua Majestade – que o Parlamento e a Nação Britânica partilham, não tenho dúvida – pela atitude do Governo Português, cuja fidelidade ao seu aliado britânico nunca vacilou nas horas mais sombrias da Guerra. 

Fonte: 

Ministério dos Negócios Estrangeiros, Dez anos de Política Externa (1936-1947). A Nação Portuguesa e a Segunda Guerra Mundial, Vol XII, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, E. P., Lisboa, 1985, 382-385

 

Oliveira Salazar, Primeiro Ministro de Portugal, em resposta a Winston Churchill, 26 Novembro 1943

Salazar disse:

…Embora o Governo, uma vez examinado o assunto em todos os seus aspectos, não tivesse menor hesitação na resposta afirmativa de princípio ao pedido britânico, e a desse por isso sem demora, havia naturalmente que examinar e resolver os problemas de natureza política, militar e económica resultantes do mesmo deferimento e concessão de facilidades…

Foi posta em relevo na Câmara dos Comuns a tradicional lealdade do povo português às suas amizades e aos seculares tratados que o ligam à nação britânica. Não é senão justiça reconhecer que desde o começo do conflito, ainda nos momentos mais escuros e difíceis, Portugal não deixou nunca de marcar, com simplicidade e sem reticências, por uma espécie de pundonor e honra nacional, a sua fidelidade à aliança inglesa…

…Se o Brasil, pelos laços de sangue, conciliar perfeitamente sua beligerância com a nossa neutralidade sem a menor quebra de estima fraternal … nenhuma dúvida haveria de que qualquer mudança de condições operada em virtude da aliança Anglo-lusa, sendo também em seu benefício, só poderia despertar na alma brasileira acréscimo de simpatia…

… Do lado de Espanha, porém, além da sua especial posição no conflito e das exigências dos seus interesses próprios, … a reacção do Governo de Espanha foi tão compreensiva, tão espontânea, tão nítida e direita como se quisesse exceder-se em lealdade e superar o tradicional cavalheirismo da nação espanhola.

…Temos procurado, através de negociações difíceis, e nem sempre com êxito, salvar os interesses fundamentais da economia metropolitana e colonial, garantirmos o essencial para a vida da população…, e sobre tudo comerciar com uns e com outros, sem deixar que a nossa economia se converta em instrumento de guerra alheia, apesar de se haverem reservado sempre a Inglaterra as maiores facilidades e o maior quinhão.

… O povo português compreende de instinto quanto importa à manutenção da sua soberania nas várias partes do Mundo, mesmo nos tempos revoltos que vivemos, tal garantia efectiva, inequívoca, recebida das duas maiores potências marítimas, associadas na guerra e comprometidas na paz

Fonte: A Aliança Secular Luso-Britânica, Lisboa, Sotramel, 1956.

Chefes de Estado

 

Sua Majestade a Rainha Isabel II

«A NOSSA ALIANÇA OFERECE UM EXEMPLO FRISANTE DE FIDELIDADE ATRAVÉS DOS SÉCULOS» — AFIRMOU A RAINHA ISABEL II

Aos brindes, a Rainha Isabel II proferiu o seguinte discurso de saudação ao Presidente da República Portuguesa:

Sinto o maior júbilo, Senhor Presidente, em dar as boas-vindas a V. Exª a e à Senhora Craveiro Lopes, aqui em Londres.

Saudamos V. Exª não apenas como Chefe da Nação que é o nosso mais velho Aliado. Saudamo-lo também como representante de um povo altivo, com o qual em dias mais recentes forjámos novos e mais amplos laços.

A antiga aliança que nos une tem seus fundamentos no Tratado assinado nesta cidade de Londres em 1373. Foi confirmado pelo Tratado de Windsor em 1386, o qual, ligando-nos por uma aliança perpétua, foi assinado no lugar de que tirei o meu próprio nome.

Contudo, a nossa amizade é pelo menos dois séculos mais velha do que a nossa aliança formal, e iniciou-se no vosso País, Excelência, numa irmandade de armas. Os seus alicerces foram lançados pelos Cavaleiros ingleses que se detiveram na Lusitânia, quando iam caminho da Terra Santa, para auxiliar o Vosso povo a libertar Lisboa das mãos dos seus inimigos. Tais são os honrosos princípios desta venerável associação.

Além disso, interesses, respeito e sentimentos mútuos foram fundamentos para o nosso acordo. O povo da Grã-Bretanha, com as suas tradições marítimas, sempre admirou os feitos dos vossos navegadores, incluindo aquele bravo marinheiro que deu o nome ao navio que trouxe Vossa Excelência até aqui: Bartolomeu Dias. A camaradagem do mar é muito real e continua a inspirar a tradicional cooperação do nosso comércio e o trabalho das organizações económicas de que ambos somos membros. Espero que a nossa solidariedade no campo comercial, que é tão velha como a nossa amizade, se manterá para o interesse mútuo, dos nossos povos.

Sinto o maior júbilo por termos agora em Londres uma Exposição dos trabalhos dos vossos artistas e do vosso artesanato, a Exposição de Inverno da Academia Real. Confio em que se desenvolva semelhante intercâmbio entre nós, o que contribuirá para uma compreensão cada vez mais íntima entre os nossos dois povos unidos.

Talvez que a maior mudança nestes últimos oito séculos tenha vindo da redução dos horizontes mundiais, o que tornou necessário organizar a humanidade numa associação de Estados com a maior amplitude possível. Os laços entre os nossos dois países foram, nos últimos anos, acrescidos com a participação comum em novas organizações deste género; no entanto, tais associações, como as -antigas, dependem da mútua confiança dos seus membros e, neste aspecto, as nações têm ainda muito que aprender com a história do passado. Creio, Senhor Presidente, que a nossa «sólida, perpétua e verdadeira Liga» oferece um exemplo frisante de fidelidade através dos séculos.

Senhor Presidente, ergo a minha taça à saúde de V. Exª e à da Senhora Craveiro Lopes e pela prosperidade e felicidade do povo de Portugal.

Fonte: A Aliança Secular Luso-Britânica, Lisboa, Sotramel, 1956.

 

Sua Excelência o Presidente de Portugal, General Craveiro Lopes.

«A AMIZADE ENTRE PORTUGAL E A GRÃ-BRETANHA SOBREVIVEU À MARCHA DO TEMPO EM TODA A SUA DIVERSIDADE» — DISSE O PRESIDENTE CRAVEIRO LOPES

Respondendo à saudação da Rainha Isabel II, o Senhor General Craveiro Lopes pronunciou o seguinte discurso:

Senhora:

Minha mulher e eu ficámos profundamente sensibilizados com as palavras de boas-vindas de Vossa Majestade, e sentimo-nos felizes pela hospitalidade verdadeiramente cativante que tão generosamente nos está a dispensar.

Estou certo de que todo o povo português participa inteiramente destes sentimentos de júbilo e de verdadeira amizade que inspiraram esta visita à nossa mais antiga Aliada.

É bem verdade que os laços que, desde os tempos heróicos das Cruzadas e da Cavalaria, ligaram os nossos dois países, são, na história das Nações, um exemplo único de boa compreensão e de constante e frutuosa cooperação.

Referiu-se Vossa Majestade, de modo muito feliz, ao passado de Portugal como nação de navegadores. Posso dizer que, da nossa parte, também temos em grande admiração o papel marítimo que a Grã-Bretanha desempenhou. Foi navegando pelos Sete Mares que a glória do vosso País se tornou um instrumento precioso da civilização, propagando os grandes valores morais que representam a herança mais preciosa do Mundo Ocidental.

A amizade entre Portugal e a Grã-Bretanha sobreviveu à marcha do tempo em toda a sua diversidade. Neste século, durante o qual a Grã-Bretanha teve, por duas vezes, de suportar sofrimentos, só excedidos pelas suas glórias, os sentimentos, do povo português para com o povo da Grã-Bretanha nunca deixaram de se fortalecer. Durante esse período, a nossa íntima associação foi marcada por muitos e memoráveis acontecimentos, e estamos cooperando agora em novos e importantes esforços destinados a servir a causa da paz e a boa compreensão entre as Nações. Desta forma se têm tornado cada vez mais estreitos os contactos entre nós, em todos os campos. A nossa solidariedade no campo do comércio é, de facto, tão velha como a nossa amizade. E nos assuntos culturais as nossas relações datam também de há muito tempo. Espero ardentemente que os laços económicos e culturais entre os nossos dois países se tornarão cada vez mais intensos, para bem dos nossos dois povos.

É certo que só por meio da confiança mútua, da natureza daquela que inspirou a nossa «sólida, perpétua e verdadeira Liga», se podem esperar resultados frutuosos e duradouros das novas formas de cooperação internacional que estão sendo postas à prova nos actuais tempos. Possam os povos do Mundo testemunhar a consolidação da atmosfera de paz e liberdade por que anseiam.

Senhora, quando da vossa subida ao Trono o povo português sentiu-se dominado pelo Vosso encanto e pela Vossa graciosidade juvenil. Pois viu imediatamente em Vossa Majestade não só o penhor das grandes tradições com raízes no passado distante, mas também o arauto de uma brilhante promessa para o futuro. Posso afirmar que os velhos amigos da Grã-Bretanha têm a compreensão perfeita de tudo o que Vossa Majestade representa no coração dos seus povos.

São estes, Senhora, os meus votos ao levantar a minha taça pela vossa saúde, pela de Sua Alteza Real o Duque de Edimburgo e pela prosperidade e felicidade do povo da Grã-Bretanha.

Fonte: A Aliança Secular Luso-Britânica, Lisboa, Sotramel, 1956.

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